Você sabe o que é Kintsugi (金継ぎ)?
O Kintsugi, cujo nome significa “união com ouro”, é uma forma de arte e reparação que ganhou notoriedade não apenas por sua extraordinária beleza, mas também por sua rica tradição histórica e cultural. Esta prática única encarna a essência do Japão, com raízes profundas na filosofia Zen Budista e na noção de que a imperfeição é uma parte intrínseca da jornada humana.
Quando um objeto de cerâmica é quebrado, a peça não é descartada. Ela é “soldada” com filamentos de ouro (ou prata). É uma forma de arte cujo resultado é único, pois, cada uma será naturalmente diferente da outra. E o mais interessante: com mais valor.
Eles não tentaram esconder o desgaste; em vez disso, o celebraram. E, ao fazê-lo, não apenas restauraram a funcionalidade da tigela, mas também revelaram sua história e singularidade de uma maneira ainda mais exuberante.
O método de reparação dourada que o Kintsugi oferece ecoa harmoniosamente com os conceitos japoneses fundamentais de “mottainai” e “mushin”, ambos intrincadamente entrelaçados com a filosofia Zen Budista. É como se essa técnica milenar aplicasse essas ideias à própria matéria, transformando-as em uma manifestação tangível de sua essência.
“Mottainai” é uma expressão profunda de arrependimento pelo desperdício. Quando aplicamos essa filosofia ao Kintsugi, encontramos a sabedoria em não descartar algo simplesmente porque foi quebrado. Em vez disso, enxergamos a oportunidade de honrar a história daquilo que foi danificado e restaurá-lo com respeito e gratidão.
Por sua vez, “mushin” nos ensina a aceitar a mudança como uma constante inevitável na vida. Quando aplicamos essa noção ao Kintsugi, compreendemos que a cerâmica quebrada não é o fim de sua história, mas sim o próximo capítulo. Assim como as estações do ano se sucedem, nossas vidas também se transformam e evoluem.
Portanto, o Kintsugi se torna uma representação viva da necessidade de aceitar essas mudanças e adaptar-se a elas com graça e beleza.
Mas o que podemos aprender com essa arte?
A transformação do comum em extraordinário
É um absurdo permitir que a vergonha nos assalte quando enfrentamos erros e fracassos em nossas trajetórias, pois esses obstáculos são inerentes a todos os seres humanos, e nenhuma experiência é verdadeiramente desperdiçada.
Tudo o que empreendemos, seja glorioso, desastroso ou imperfeito, reserva dentro de si a capacidade de nos guiar e nos instruir, mesmo que tais experiências não estejam na lista de desejos para repetição futura.
Em realidade, os equívocos podem se revelar como nossos mais valiosos e perspicazes mentores.
As cicatrizes que recebemos em nossa jornada devem ser motivos de orgulho, não de vergonha. Elas merecem ser enxergadas como testemunhos de que estamos seguindo o caminho certo, de que persistimos.
Esse é um convite para vivermos na apreciação do momento, onde a beleza reside não apenas na busca do extraordinário, mas na descoberta do esplendor oculto no comum.
Uma reflexão sobre a “antifragilidade”
Nesse delicado balé entre o cotidiano e o extraordinário, onde o Kintsugi nos ensina a valorizar nossas imperfeições e a abraçar a beleza intrínseca em tudo o que somos, há uma ressonância notável com a concepção de “antifragilidade” de Nassim Taleb.
Assim como o artesão do Kintsugi utiliza a quebra da cerâmica como uma oportunidade de transformação, fortalecendo-a com o ouro da reparação, a antifragilidade nos convida a encarar as adversidades como oportunidades de crescimento e evolução. Em vez de temer as tempestades da vida, somos incentivados a abraçá-las, pois são essas tormentas que nos conferem resistência, adaptabilidade e sabedoria.
Tanto o Kintsugi quanto a “antifragilidade” mostram que a beleza e a fortaleza não surgem da perfeição, mas sim das imperfeições e das experiências desafiadoras que enfrentamos.
A vulnerabilidade de assumir as imperfeições
Da mesma forma que o Kintsugi nos encoraja a celebrar nossas imperfeições, reconhecendo a beleza que reside nas cicatrizes emocionais e físicas, Brené Brown nos lembra da importância de abraçar nossa vulnerabilidade.
A sua obra “A Coragem de Ser Imperfeito” defende uma existência autêntica e significativa, onde a coragem de sermos verdadeiramente nós mesmos se torna a força motriz.
Essas duas perspectivas convergem para nos mostrar que a jornada em direção à autenticidade e à resiliência começa com a aceitação de nossas próprias imperfeições e vulnerabilidades. É no espaço da vulnerabilidade, onde admitimos nossos medos e erros, que encontramos a verdadeira conexão com os outros.
Assim como o Kintsugi realça as rachaduras como parte integral da beleza de um objeto, Brené Brown nos recorda que nossas imperfeições não nos tornam menos dignos de amor e pertencimento; pelo contrário, elas nos tornam mais humanos e mais capazes de criar laços genuínos com aqueles ao nosso redor.
Ser resiliente como a sabedoria japonesa
A resiliência é a habilidade de olhar para os momentos de ruptura em nossas vidas como trampolins para um renascimento. É a compreensão de que, mesmo quando nos sentimos fragmentados, ainda possuímos a capacidade de nos reconstruir de maneira mais robusta e enriquecida por nossas experiências.
Ela não se baseia na ausência de rachaduras, mas na habilidade de florescer apesar delas, como faz o Kintsugi
O valor da criatividade
O Kintsugi nos revela que a criatividade reside não apenas em criar algo, mas também em recriar e reinventar o que já existe. É uma celebração da arte de restaurar, de ver potencial onde outros podem ver imperfeição.
A resiliência e a inteligência emocional, nesse contexto, são os pilares que sustentam o palco da criatividade. A resiliência nos permite enfrentar as incertezas e desafios da criação com determinação e persistência, enquanto a inteligência emocional nos dá o insight para compreender profundamente as emoções que impulsionam nossas expressões criativas.
É como se cada obra de arte, cada inovação, cada expressão criativa fosse um fragmento do nosso Kintsugi pessoal, uma prova de que podemos transformar desafios em oportunidades e transformar cicatrizes em obras-primas.
Enfim…
Kintsugi nos convida a olhar para nossas próprias vidas da mesma forma. Aceitando nossas imperfeições, honrando nossas cicatrizes e transformando nossas quebras em obras de arte, nos alinhamos com a essência da existência humana e descobrimos a verdadeira beleza na celebração de nossa jornada única e rica.
É uma lição profunda e inspiradora que todos nós podemos aplicar às nossas vidas, revelando o brilho da nossa própria existência.
Assim como os artesãos japoneses celebram as fissuras na cerâmica, devemos reconhecer as imperfeições em nossa própria jornada e aprender a transformá-las em preciosidades. Cada fragmento quebrado carrega consigo uma história única, uma narrativa de desafios enfrentados e superados.
Como os mestres do Kintsugi, podemos abraçar nossas cicatrizes emocionais e físicas, não como falhas, mas como vestígios de nossa resiliência e evolução.
MARCELO DE ELIAS é mestre em inovação e design com MBAs em Estratégia, Gestão de Pessoas, formação internacional em gestão da mudança em tempos desafiadores e pós-graduado em neurociências. Conteudista especialista em liderança, protagonismo e gestão de mudanças, é professor da FGV, FDC e outras escolas de negócios. Escritor e fundador da Universidade da Mudança. Pioneiro no assunto “Inner Skills” no Brasil.
Atende grandes clientes como GPA/ Pão de Açúcar, Cobasi, Leroy Merlin, SBT, Marisa, Carrefour, MSD/Merck, Elanco, Kawasaki, GM, Fiat, Raízen/Shell, DHL, Caixa, Bradesco, Unilever, Bettanin/InBetta, Sebrae, SESC, Sabesp, Banco da Amazônia, Justiça Federal, Ministério Público, INPE, entre outros de diversos segmentos.
Suas palestras têm o diferencial do “conteúdo com leveza”, onde o professor apresenta conteúdos altamente atualizados e inovadores, mas sempre com uma linguagem acessível para todos os públicos, dosando informações, inspirações, ideias, bom humor e boas histórias. Através de mensurações na metodologia NPS junto aos contratantes, o índice de recomendação é de 100%.
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