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A Indústria Terá Mão de Obra no Futuro?

Por Marcelo de Elias

A indústria paulista vive um paradoxo curioso. Mesmo com a taxa de desemprego em queda e a economia industrial em recuperação, os empregadores relatam crescente dificuldade para encontrar mão de obra qualificada e motivada. Mas por que, afinal, a indústria perdeu espaço no imaginário dos trabalhadores brasileiros?

Uma pesquisa recente, conduzida pela FIESP, SENAI-SP e Instituto Locomotiva, trouxe luz a essa questão.

O estudo, realizado com mais de 1.500 pessoas inseridas na força de trabalho do Estado de São Paulo, revela não apenas números, mas principalmente narrativas, desejos e dilemas que ajudam a explicar por que tantos profissionais estão se afastando da indústria — e o que pode ser feito para mudar esse cenário.

A indústria perdeu apelo — e o dado é alarmante

Uma das constatações mais impactantes da pesquisa é que, em apenas uma geração, a atratividade da indústria caiu pela metade. Quando questionados sobre onde prefeririam trabalhar, apenas 11% dos entrevistados mencionaram a indústria — contra 24% quando falavam da preferência de seus pais. Essa perda de 13 pontos percentuais em uma geração mostra que a indústria deixou de ser o sonho de carreira para muitos jovens.

Mais do que uma escolha racional, essa mudança reflete um novo imaginário sobre o que significa “ter sucesso profissional”. O prestígio antes atribuído a cargos industriais hoje migrou para setores como tecnologia, empreendedorismo e serviços digitais — ambientes percebidos como mais flexíveis, autônomos e conectados com o estilo de vida contemporâneo.


Flexibilidade e autonomia: os novos valores do trabalho

A principal força de atração do trabalho autônomo hoje é a liberdade. Para muitos, a possibilidade de escolher seus horários, controlar sua rotina e buscar uma qualidade de vida melhor supera os benefícios tradicionais do emprego formal.

A pesquisa mostra que 64% dos trabalhadores acreditam que o trabalho com carteira assinada oferece pouca flexibilidade. Entre os desempregados e trabalhadores informais, esse número sobe ainda mais. Além disso, 67% afirmam que o trabalho formal deixou de garantir estabilidade e segurança, rompendo com uma das principais promessas históricas do CLT.

É nesse contexto que o discurso empreendedor ganha força:

  • 63% dos entrevistados dizem que ter um negócio próprio é o seu maior sonho profissional;
  • 64% veem o empreendedorismo como caminho para autonomia e qualidade de vida.

No entanto, essa escolha também traz riscos e frustrações. Embora 41% dos trabalhadores por conta própria se digam plenamente satisfeitos, 27% se mostram insatisfeitos com seu trabalho — taxa quatro vezes maior do que entre os empregados da indústria (6%).

O dado mostra que, embora o trabalho autônomo pareça mais atrativo, ele nem sempre é mais gratificante ou seguro. A diferença é que, ao menos, os trabalhadores se sentem mais no controle de suas escolhas.


A desconexão entre a indústria e as expectativas da nova geração

A indústria ainda oferece benefícios importantes: estabilidade, remuneração, proteção social e possibilidade de desenvolvimento técnico. Mas o pacote de valor percebido não fecha a conta emocional e simbólica.

Na visão da nova geração, a indústria é associada a:

  • Ambiente rígido e com excesso de hierarquia;
  • Falta de reconhecimento e ascensão lenta;
  • Jornadas longas e inflexíveis;
  • Pouco equilíbrio com a vida pessoal;
  • Falta de propósito.

A pesquisa revelou que apenas 27% dos trabalhadores da indústria estão plenamente felizes em seus cargos. Mesmo com benefícios, o ambiente é percebido como pouco acolhedor e engessado. A isso se soma o chamado “choque geracional”, em que os valores das gerações anteriores (estabilidade, carreira longa, sacrifício) não fazem mais sentido para os profissionais mais jovens, que priorizam propósito, bem-estar e autonomia.


A barreira invisível que afasta as mulheres

Outro achado importante da pesquisa é o impacto das jornadas inflexíveis e da falta de políticas de cuidado sobre a entrada e permanência das mulheres na indústria. Muitas relatam ter recusado vagas por não conseguirem conciliar a jornada com os cuidados dos filhos, por não terem rede de apoio ou por enfrentarem ambientes hostis ao gênero.


O dilema do jovem técnico: entre o diploma e o aplicativo

A pesquisa também mergulha na realidade dos jovens formados. Mesmo qualificados, muitos acabam desistindo do emprego formal por falta de oportunidade logo após a formatura. Apesar do cenário ser de um mercado contratante, se emprego não vem na velocidade esperada, eles migram para o trabalho informal e, muitas vezes, não voltam mais.

Mesmo com benefícios no longo prazo (como INSS e aposentadoria), o emprego formal é visto como pouco vantajoso no presente.


A indústria terá mão de obra no futuro?

Essa é a pergunta que paira sobre o setor industrial — e a resposta dependerá diretamente das decisões que forem tomadas agora.

A escassez de mão de obra qualificada não é apenas uma questão técnica, mas cultural, simbólica e estrutural. O problema não está apenas na falta de profissionais formados, mas na falta de sintonia entre o que a indústria oferece e o que as pessoas procuram.

A nova força de trabalho quer mais do que um salário. Quer significado, crescimento, qualidade de vida e respeito. Quer pertencimento, não apenas ocupação.

Se a indústria continuar a oferecer um modelo de trabalho baseado na lógica tradicional, ela correrá o risco de ficar para trás — com vagas abertas e talentos indo embora.

Mas se ela souber ouvir os sinais, adaptar-se e se reposicionar, tem em mãos uma oportunidade única: ser novamente vista como um caminho promissor, seguro e inspirador para milhões de brasileiros.

Portanto, a verdadeira questão talvez não seja se a indústria terá mão de obra no futuro, mas sim: A indústria está disposta a se transformar para ter os profissionais do futuro?

A resposta a essa pergunta vai moldar não apenas o mercado de trabalho, mas o desenvolvimento econômico, social e humano do país nas próximas décadas.


O que a indústria pode (e deve) fazer?

A pesquisa vai além do diagnóstico. Ela também aponta caminhos e oportunidades para reconectar a indústria com os desejos da força de trabalho atual:

1. Reposicionar a imagem da indústria

É necessário romper com o estigma de que a indústria é rígida, ultrapassada e pouco inspiradora. A indústria precisa ser comunicada como inovadora, tecnológica, relevante e alinhada aos valores sociais. Incluir propósito, impacto e ESG nas narrativas pode atrair as novas gerações.

2. Flexibilizar modelos de jornada e trabalho

Não se trata de abandonar a produtividade, mas de adaptar os modelos de trabalho. Flexibilidade, jornada reduzida, trabalho híbrido e outras práticas já estão presentes em muitos setores. A indústria pode e deve avançar nessa direção.

3. Criar programas de transição e inclusão

Facilitar a entrada de jovens técnicos no mercado formal por meio de parcerias com escolas, programas de estágio, jovem aprendiz e ações afirmativas.

4. Promover ambientes mais humanos e acolhedores

Investir em liderança empática, saúde mental, reconhecimento e cultura organizacional são diferenciais competitivos. A empresa que cuida das pessoas se torna desejada.

5. Valorizar e comunicar os diferenciais da carreira industrial

A indústria tem muito a oferecer: aprendizado técnico, estabilidade, crescimento profissional e proteção social. Mas é preciso comunicar isso de forma clara, atual e atrativa, conectando com as reais aspirações das pessoas.


O desafio não é só atrair, é pertencer

Estamos diante de uma mudança profunda nos significados do trabalho. Não basta oferecer uma vaga. É preciso apoiar em um projeto de vida.

A indústria, que por décadas foi símbolo de crescimento e estabilidade, agora precisa se reinventar para voltar a ser parte dos sonhos profissionais de uma nova geração.

A boa notícia é que isso é possível. Com estratégias de valorização e políticas mais humanas, é possível construir a ponte entre a indústria e os talentos do futuro.

Os dados foram retirados da pesquisa TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E DESAFIOS PARA ATRAÇÃO DE MÃO DE OBRA do Instituto Locomotiva em parceria com FIESP e SENAI-SP. Veja a notícia que também da acesso à pesquisa: https://www.fiesp.com.br/mobile/noticias/?id=303599


MARCELO DE ELIAS é Linkedin Top Voice. Mestre em inovação e design com MBAs em Estratégia (USP), Gestão de Pessoas (FGV), formação internacional em gestão da mudança em tempos desafiadores (University of Tampa/EUA) e pós-graduado em neurociência e psicologia positiva (PUC).

Conteudista especialista em liderança, protagonismo e gestão de mudanças, é professor da FGV, FDC e outras escolas de negócios. Escritor e fundador da Universidade da Mudança.

Pioneiro no assunto “Inner Skills” no Brasil.

Atende grandes clientes como GPA/ Pão de Açúcar, Cobasi, Neoenergia, Leroy Merlin, SBT, Marisa, Carrefour, MSD/Merck, Elanco, Kawasaki, GM, Fiat, Raízen/Shell, DHL, Caixa, Bradesco, Unilever, Bettanin/InBetta, Sebrae, SESC, Sabesp, Banco da Amazônia, Justiça Federal, Ministério Público, INPE, Usiminas entre outros de diversos segmentos.

Através de mensurações na metodologia NPS junto aos contratantes, o índice de recomendação é de 100%.

As palestras não são “produtos de prateleira”, mas sim, projetos 100% personalizados e customizados para cada realidade, considerando as necessidades a serem atendidas, a cultura do cliente e o perfil do público.

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