A reforma tributária brasileira, regulamentada pela Lei Complementar 214/2025 e em fase de implementação gradual até 2033, representa muito mais do que uma atualização normativa.
Trata-se de uma verdadeira reforma de negócios brasileiros que exige dos profissionais contábeis e tributários uma profunda transformação.
Acredito, entretanto, que essa mudança vai além do texto da lei. Trata-se de uma adaptabilidade comportamental e emocional para navegarem com sucesso por esse cenário de incertezas.
Do ponto de vista da gestão da mudança, o que realmente decide quem vai prosperar ou sofrer nesse processo não está só no Diário Oficial: está na cabeça, no coração e no comportamento dos profissionais envolvidos nesse grande projeto.
A reforma é a mudança. Você não escolhe se ela vem ou não. O que você escolhe é como vai atravessar a transição. E é aqui que entra o “lado humano” que tanto defendo: a reforma não é só uma nova forma de cobrar tributos; é uma convocação para uma nova identidade profissional.
Recentemente eu tive a oportunidade de fazer palestras sobre “abertura para as mudanças” para empresas e instituições que estão preocupadas com o impacto da reforma tributária. Em uma delas, fui conversar com as equipes relacionadas ao tema sobre a disposição, abertura e adaptabilidade para as mudanças. Esse era o ponto essencial: já não era mais o momento, no caso deles, de entender a lei, mas, estimular as pessoas a abraçarem essa transição.
Também fiz uma palestra para a SEFAZ de um importante Estado do nosso país. A equipe está do outro lado, ou seja, na realidade de quem “recebe” e não na de quem “paga”, porém, a situação, não era tão diferente. A dor é a mesma: necessidade de disposição, abertura e adaptabilidade.
Enfim, o desafio vai além da técnica. É humana!
Mudança x Transição: por que tantos sofrem mais do que precisariam?
Gosto da distinção de William Bridges: mudança é o fato externo; transição é o processo interno. Não existe uma definição única sobre isso e nem consenso, mas é interessante pensar essas duas palavras como conceitos complementares.
Digo isso porque a reforma tributária é uma gigantesca mudança: novos tributos, novas bases, novos regimes, novos sistemas. Mas o que está tirando o sono de muitos profissionais é a transição: sair do “jeito antigo de trabalhar” para um “jeito novo” que ainda não está totalmente claro.
Bridges fala de três fases internas que todos atravessam:
- Término: aceitar que o modelo antigo acabou, inclusive algumas “certezas” que deram identidade ao profissional por décadas.
- Zona neutra: o lugar de confusão, ambiguidade e insegurança, em que o velho já não funciona tão bem e o novo ainda não está consolidado.
- Reinício: quando o profissional encontra um novo sentido, novas rotinas, novos padrões de atuação.
A maior armadilha é tentar pular direto para o “reinício” sem viver a zona neutra. Isso gera decisões apressadas, ações escolhidas no impulso, adesão cega a soluções “milagrosas”, ou, do outro lado, paralisia completa.
A zona neutra, por mais desconfortável que seja, é o espaço em que o profissional revisa crenças, desapega de velhos hábitos e redesenha sua atuação.
A unidade básica da reforma: o indivíduo
Organizações adoram falar em “projetos de adequação à reforma tributária” e “cronogramas”. Tudo isso é importante, mas existe uma verdade simples: não existe mudança organizacional sem mudança individual.
Um sistema tributário novo só funciona na prática quando:
- o analista fiscal muda como interpreta a legislação e como atualiza parâmetros no ERP;
- o contador muda a forma de ler os números e traduzir impactos para o negócio;
- o tributarista muda a lente com que enxerga risco, planejamento e oportunidade.
Se o indivíduo não muda sua forma de pensar e de agir, o projeto de adequação vira apenas um documento bonito. Por isso, qualquer discussão séria sobre a reforma tributária precisa incluir uma pergunta incômoda: “Quem eu preciso me tornar para continuar relevante nesse novo contexto?” Não é apenas: “O que a gente precisa fazer para a mudança acontecer?”
Três camadas de competências para não ser engolido pela reforma
Ao analisar as tendências da profissão, gosto de organizar as competências em três camadas: hard skills, soft skills e inner skills.
As Inner Skills, tema que eu tenho a honra de me apresentar como um dos pioneiros no Brasil, é extremamente relevante no contexto da mudança. Apesar de pouco conhecidas, o peso das “habilidades internas” é muito grande. Sem inner skills, as demais não se sustentam em um ambiente de alta pressão e incerteza como o da reforma.
Hard skills: o novo “básico” técnico
A reforma muda o terreno técnico. O “básico” da nova era é outro:
- Domínio profundo da nova legislação: entender IBS, CBS, regimes específicos, crédito financeiro, transição, split payment, peculiaridades setoriais. Não dá mais para operar no “copia e cola” de interpretações alheias.
- Tax analytics e visão de dados: interpretar impactos da reforma com base em dados, simular cenários, projetar fluxo de caixa, precificação e margens. A leitura técnica precisa conversar com a leitura econômica.
- Gestão de projetos tributários: planejar, priorizar e conduzir projetos de adequação (mapeamento de processos, revisão de cadastros, testes em sistemas, treinamentos). Quem entende a reforma, mas não sabe transformar isso em projeto, fica no discurso.
- Integração tecnologia–tributos: entender minimamente o diálogo entre ERP, TMS, APIs, motores de cálculo, automações. O profissional que “não se mete com TI” ficará cada vez mais à margem.
A diferença é que, agora, tecnicismo isolado não basta. O conhecimento precisa ser integrador: conectar norma, dados, processos, tecnologia e estratégia.
Soft skills: o contador/tributarista como articulador
Se, no passado, a área tributária era vista como “gente de exatas que não gosta de falar com pessoas”, esse script está sendo reescrito. A reforma exige um profissional capaz de articular, não apenas de “resolver imposto”.
Algumas soft skills essenciais:
- Comunicação clara e pedagógica: explicar a reforma para empresários, diretoria, áreas não técnicas, equipe operacional. Traduzir o complexo sem infantilizar.
- Gestão de conflitos: lidar com divergências internas (fiscal x comercial, jurídico x operações) sobre riscos, prazos e interpretações. O profissional que só impõe, sem construir entendimento, será isolado.
- Influência sem autoridade: muitas vezes, você não terá o “carimbo” da decisão, mas precisará influenciar o caminho escolhido com dados, argumentos, empatia e visão sistêmica.
- Trabalho colaborativo: a reforma não se resolve em uma sala trancada. Exige integração com TI, financeiro, jurídico, suprimentos, operações, contabilidade gerencial.
Em resumo: não basta saber muito; é preciso ser capaz de mobilizar pessoas em torno dessa mudança.
Inner skills: o lado de dentro que sustenta tudo
Inner skills são as habilidades internas que permitem que você se mantenha equilibrado, consciente e protagonista em contextos desafiadores. Em vez de focar só em “saber mais” ou “comunicar melhor”, começamos pelo “ser diferente”.
Para a reforma tributária, destaco algumas inner skills críticas:
- Resiliência real (não romantizada): não é “aguentar tudo calado”, e sim conseguir se reorganizar depois dos desafios, mudanças de regra, idas e vindas da regulamentação. É “apanhar” do sistema, aprender e voltar melhor. A resiliência é a base da antifragilidade.
- Gestão da ansiedade e do foco: a reforma traz excesso de informação, notícias desencontradas, “especialistas” de ocasião. Sem foco, o profissional se perde em notificações, sites e PDFs, mas não cria um plano consistente de transição.
- Autoconhecimento: saber como você reage à incerteza, ao erro, à pressão do cliente, à sensação de “não saber o suficiente”. Isso permite escolher respostas mais maduras, e não apenas reagir no automático.
- Mentalidade de crescimento: enxergar a reforma não como uma ameaça à carreira, mas como um “reset” de jogo em que quem aprender mais rápido e melhor ganha espaço. Não é otimismo ingênuo; é compromisso com o aprendizado contínuo.
Sem esse alicerce, qualquer tentativa de “aprender a reforma” vira apenas mais uma fonte de estresse.
O novo papel: do operacional ao consultivo-estratégico
A reforma tributária apenas acelera um movimento que já estava em curso: a saída da contabilidade e da área fiscal de um lugar operacional para um papel consultivo e estratégico.
O profissional que permanecer preso ao papel de “apertador de botão e fazedor de planilha” corre sério risco de obsolescência. Em contrapartida, quem assume uma postura de consultor de negócios ganha centralidade:
- ajudando a modelar produtos, preços e contratos à luz da reforma;
- desenhando cenários comparativos entre regimes, períodos e escolhas possíveis;
- antecipando riscos e oportunidades, em vez de apenas “apagar incêndios” quando autuações surgirem.
Isso exige uma mudança identitária: deixar de se perceber como alguém que “cumpre obrigações” e passar a se enxergar como alguém que orienta decisões. Essa transição é tão psicológica quanto técnica.
Liderança tributária em tempos turbulentos
Quando falamos de postura adequada, é impossível ignorar o papel daqueles que lideram equipes fiscais, contábeis e tributárias. A liderança não pode ser apenas gestora de tarefas; precisa ser gestora de transição humana.
Algumas atitudes-chave da liderança nesse contexto:
- Dar sentido, não só instruções: explicar o “porquê” da mudança, não apenas o “o que” e o “como”. Pessoas suportam melhor o esforço quando entendem o propósito.
- Reconhecer a zona neutra: aceitar que a produtividade pode oscilar, que dúvidas se multiplicam, que o time precisará de tempo para integrar o novo. Cobrança cega só aumenta resistência e medo.
- Criar ambiente psicológico seguro: permitir que a equipe diga “não sei”, peça ajuda, admita erros em testes e pilotos, sem ser humilhada. Em ambientes de punição, as pessoas escondem problemas e atrasam a adaptação.
- Ser exemplo de aprendizado contínuo: o líder que “terceiriza” a reforma para o time, mas não estuda, não participa, não se atualiza, perde rapidamente credibilidade.
Em outras palavras: a liderança precisa ser a primeira a atravessar a transição, para então guiar os demais.
Aprendizado constante: da obrigação ao projeto de vida
Programas de educação continuada, exigências de conselhos profissionais, cursos sobre reforma… tudo isso pode ser visto como burocracia ou como infraestrutura de sobrevivência e protagonismo.
O profissional que encara a atualização como “punição” costuma estudar apenas o mínimo necessário, da forma mais superficial possível. Já quem enxerga esse momento como um projeto de reposicionamento de carreira escolhe com mais critério:
- cursos que integrem teoria e prática, com estudo de casos reais;
- trilhas que combinam reforma tributária com tecnologia, dados, liderança e gestão de mudanças;
- espaços de diálogo com outros profissionais para troca de experiências, dúvidas e boas práticas.
A pergunta-chave deve ser “quem quero ser profissionalmente quando o período de transição da reforma terminar?”.
Mentalidade de crescimento e protagonismo: a escolha diária
Tudo isso converge para duas atitudes que considero centrais: mentlidade de crescimento e protagonismo.
- Mentalidade de crescimento é acreditar que você pode aprender, desaprender e reaprender, mesmo em um cenário complexo como o tributário. Em vez de “não dou conta”, perguntar “o que ainda não aprendi e qual será meu próximo passo?”. Uma frase central da Carol Dweck sobre mentalidade de crescimento é: “qualidades podem ser desenvolvidas, o esforço é chave para a realização, e o erro é uma bênção para aprender. Enfim, tornar-se é melhor do que ser”.
- Protagonismo, na minha opinião, é sair do modo “reclamante” e ir para o modo “construtor”: buscar informação qualificada, propor caminhos na empresa, desenhar planos com clientes, se aproximar de comunidades técnicas, liderar pequenos projetos de adequação.
A reforma tributária não pergunta se você gostaria que ela viesse. Ela veio. A questão é: você vai atravessar esse período se agarrando ao velho, reagindo a cada nova obrigação, ou vai se reposicionar como um profissional que entende, influencia e lidera essa transformação?
Seja protagonista dessa transformação!
Qual é, então, a postura adequada?
Se fosse resumir o “lado humano da reforma tributária” em um perfil de sucesso, seria algo assim:
- Serenamente inquieto: aceitar a incerteza, sem negar os medos, mas sem se deixar paralisar por eles.
- Humildemente estudioso: reconhecer que ninguém “sabe tudo da reforma”, mas assumir o compromisso de aprender todos os dias.
- Tecnicamente profundo, humanamente acessível: unir alta competência técnica com capacidade de explicar, ouvir e construir junto.
- Protagonista coletivo: cuidar da própria transição e, ao mesmo tempo, ser suporte para a transição dos outros: equipe, colegas, clientes.
A reforma tributária é, no fim das contas, um grande laboratório para testar a adaptabilidade da área contábil e tributária. Quem desenvolver seu lado humano com a mesma seriedade com que estuda legislação não apenas sobreviverá a essa onda, mas sairá dela maior, mais relevante e mais preparado para as próximas mudanças, porque elas virão.
E, como gosto de dizer: a mudança é inevitável; a evolução é opcional. A reforma é a mudança. A evolução é a resposta que você escolhe dar a ela.
O que acha disso?
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MARCELO DE ELIAS é LinkedIn Top Voice, mestre em Inovação e Design, com MBAs em Estratégia (USP) e Gestão de Pessoas (FGV), formação internacional em Gestão da Mudança (University of Tampa/EUA), IA para Negócios (ISCTE – Lisboa/PT) e pós-graduação em Neurociência e Psicologia Positiva (PUC).
É professor da FGV, FDC e outras escolas de negócios, além de escritor e fundador da Universidade da Mudança. Reconhecido como pioneiro no tema Inner Skills no Brasil.
Já apoiou líderes e empresas como GPA/Pão de Açúcar, Cobasi, Neoenergia, Leroy Merlin, Carrefour, MSD/Merck, GM, Fiat, Raízen/Shell, SBT, Caixa, Bradesco, Unilever, Sebrae, Sabesp, Ministério Público, entre outros. Mantém NPS de 100% e é destaque em premiações como Top5 CBTD, Top5 KLA e Melhor Palestrante de Gestão da Mudança pela Associação Brasileira de Liderança.
Suas palestras não são “produtos de prateleira”: são projetos customizados, pensados para a realidade cultural, os desafios estratégicos e o perfil de cada público.
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