Queremos autenticidade, mas premiamos conformismo. Esse é, talvez, um dos maiores paradoxos da vida corporativa moderna.
Trabalho há muitos anos com cultura organizacional, liderança e desenvolvimento humano. Nesse tempo, já ouvi de dezenas de CEOs e diretores de RH frases como: “Queremos um ambiente em que as pessoas sejam elas mesmas.” “Valorizamos a diversidade de opiniões.” “Buscamos talentos autênticos.”
Bonito no discurso. Na prática, muita gente descobre rápido que o recado real é outro:
“Seja você mesmo… mas dentro do crachá.”
A autenticidade “com filtro”
O mercado descobriu que “autenticidade” vende bem em campanhas de marca empregadora. Vende bem em posts de LinkedIn, em fotos com dress code mais informal e tatuagens à mostra, em vídeos com gente rindo na cafeteria.
É a autenticidade “com filtro”:
- Você pode ser autêntico… desde que não questione demais.
- Pode ser você… desde que se encaixe no modelo de “gente boa” que a empresa considera aceitável.
- Pode ter opinião… desde que não mexa na zona de conforto de quem decide.
A mensagem não dita é mais ou menos assim: “Traga seu eu completo para o trabalho… só não traga as partes que nos incomodam.”
Não se assuste: moldar-se à cultura da empresa não é errado. Na verdade, faz parte da inteligência social que sustenta qualquer convivência profissional.
Toda organização tem seus códigos, seus rituais e suas expectativas. Ajustar o volume da própria personalidade para funcionar bem em um ambiente coletivo é maturidade, não submissão. O problema começa quando esse ajuste deixa de ser escolha e vira camuflagem permanente. Quando, para “caber”, a pessoa precisa esconder justamente aquilo que a torna singular, criativa e potente.
A pessoa se frustra e a empresa “perde” alguém engajado, mesmo garantido a retenção desse colaborador nos quadros da empresa.
Adaptar-se é saudável… anular-se, não. Existe uma linha tênue entre respeitar a cultura e desaparecer dentro dela. E muitas empresas, sem perceber, empurram seus talentos para esse lado invisível da fronteira. Pedem autenticidade no discurso, mas recompensam quem se comporta como cópia. Incentivam diversidade, mas promovem quem se encaixa melhor na narrativa dominante. Assim, aos poucos, as pessoas aprendem que é mais seguro performar um personagem corporativo do que viver sua versão mais verdadeira.
A autenticidade real não é incompatível com cultura organizacional.
Uma cultura inteligente não quer clones: quer pessoas inteiras, com opiniões, com repertório, com vulnerabilidades e, claro, com maturidade para ajustar o tom quando necessário.
A pergunta que as organizações precisam se fazer não é “as pessoas se encaixam na nossa cultura?”, mas “nossa cultura permite que as pessoas se encaixem sem perder quem são?”. É aí que mora a diferença entre uma empresa que acolhe e uma empresa que padroniza.
O crachá como filtro de personalidade
O crachá deveria ser apenas um identificador de vínculo profissional. Mas, em muitas culturas, ele vira um filtro de personalidade: com ele, você ajusta tom de voz, intensidade das ideias, até o nível de entusiasmo.
- A pessoa crítica vira “ponderada demais”.
- A pessoa direta vira “difícil de lidar”.
- A pessoa criativa demais vira “fora da realidade”.
- A pessoa que diz “não concordo” vira “pouco alinhada à cultura”.
E, pouco a pouco, o ambiente vai selecionando um tipo ideal de colaborador: aquele que fala, mas nem tanto; questiona, mas só até certo ponto; contribui, mas não confronta.
Como especialista em cultura, posso afirmar que muitas empresas chamarão isso de “fit cultural”. Talvez realmente seja, pois, afinal, mesmo a autenticidade precisa respeitar alguns parâmetros e regras, porém, em muitos casos, é só um nome elegante para conformismo bem comportado.
Quando o discurso não fecha com a experiência
Já vi empresas com campanhas fortes de “seja você mesmo aqui” em processos de atração de talentos. Na entrevista, falam de diversidade, inclusão, respeito às diferenças. No onboarding, mostram um vídeo inspirador, com frases sobre a importância de escutar todas as vozes.
No dia a dia, porém:
- ideias diferentes são vistas como risco, não como ativo;
- questionar práticas antigas é “não entender o contexto”;
- trazer vulnerabilidades é lido como fraqueza, não como coragem.
Resultado? As pessoas aprendem rapidamente a jogar o jogo: não o jogo da autenticidade, mas o da sobrevivência. Esse é o lado poderoso de uma cultura forte que molda, mas, às vezes, também engessa.
O custo invisível do conformismo
Quando a organização diz que quer autenticidade, mas premia o conformismo, ela gera um tipo específico de cultura: uma cultura em que ninguém aparece por inteiro.
E isso tem um custo alto, embora silencioso:
- Ideias inovadoras não chegam à mesa.
- Pessoas talentosas se encolhem para caber no molde.
- Conflitos saudáveis são evitados, dando lugar a conversas de corredor.
É curioso: empresas investem em programas de inovação, mas desativam, todos os dias, a fonte mais poderosa de inovação: a autenticidade das pessoas.
Autenticidade não é vale-tudo
Também é verdade: autenticidade não é licença para grosseria, caos ou ego inflado. “Eu sou assim mesmo” não pode ser desculpa para falta de respeito ou de responsabilidade. Como eu disse, a adaptabilidade, o respeito às pessoas e às regras são virtudes de um bom profissional.
Nas organizações, autenticidade saudável é a capacidade de:
- alinhar quem eu sou com o que eu faço;
- dizer o que penso sem atacar pessoas;
- discordar com respeito e concordar com consistência;
- mostrar vulnerabilidade sem usar isso como escudo para não evoluir.
É aqui que entra a maturidade cultural: criar um ambiente em que as pessoas possam ser verdadeiras, mas dentro de um pacto de respeito, ética e colaboração.
Não é simples. Mas, para a empresa, é muito mais honesto do que vender um discurso de “seja você” e, na prática, desejar “seja igual”. Para o colaborador é mais saudável trabalhar em um ambiente onde pode ser por inteiro.
O papel dos líderes no paradoxo da autenticidade
Líderes são o “departamento de cultura em tempo real”. Não adianta a empresa falar em autenticidade se, na ponta, a mensagem for: “melhor não se expor”, “não é o momento de levantar dar opinião”, “não pega bem discordar nessa reunião”.
Quando o líder penaliza quem é autêntico e recompensa quem apenas concorda, ele constrói uma cultura de aparência. Todo mundo participa, mas poucos se expõem. Todos respondem, mas quase ninguém fala de verdade.
Se a liderança quer times autênticos, precisa suportar o desconforto que vem junto:
- ouvir críticas legítimas,
- receber feedback de baixo pra cima,
- admitir que não sabe tudo,
- aceitar que gente diferente pensa diferente e isso é bom para o negócio.
Cultura que acolhe ou cultura que enquadra?
No fim, a pergunta é simples, mas difícil de encarar:
Sua cultura acolhe a autenticidade ou apenas enquadra comportamentos?
Uma cultura que acolhe a autenticidade:
- permite que as pessoas falem a verdade sem medo de retaliação;
- valoriza a diversidade de pensamento, não só de perfil;
- entende que conflito bem conduzido é alavanca, não ameaça.
- estabelece uma cultura sustentada em pilares e valores essenciais e reconhece que vive assim, e não em um patrulhamento engessado sobre modos de pensar e agir.
Uma cultura que só enquadra, por outro lado, vai lapidando a singularidade de cada um até sobrar apenas um padrão confortável e profundamente pobre em termos de inovação, engajamento e sentido.
Entre o crachá e a consciência
Não tenho todas as respostas e desconfio de quem diz ter. Mas depois de observar tantas organizações de dentro, uma coisa ficou muito clara: a autenticidade não se resolve com slogan motivacional na divulgação da vaga de emprego, resolve-se com coragem.
Coragem de líderes que querem ouvir o que não é bonito. Coragem de RH que incentiva quem fala a verdade, e não quem representa melhor o script. Coragem de empresas que preferem ser coerentes a parecer perfeitas.
No fim do dia, é a autenticidade que revela a pessoa que você é, e é a cultura que define se isso será um ativo ou um problema.
E na sua empresa, a autenticidade é bem-vinda, ou só o conformismo é promovido? As lideranças sabem lidar com isso? A cultura incetiva as práticas que fortalecem ou engessa um conjunto de comportamentos?
Você pode continuar acreditando em mudanças de fachada… Ou pode construir uma transformação de verdade, da cultura ao comportamento.
As palestras de Marcelo de Elias e os programas da Universidade da Mudança foram criados para líderes e empresas que querem fazer o discurso virar prática. Porque cultura não se muda com frases de efeito. Se muda com consistência, método e propósito.
Vamos transformar a sua empresa de dentro pra fora? Entre em contato com a gente clicando aqui e converse sobre suas necessidades e ideias.

MARCELO DE ELIAS é LinkedIn Top Voice, mestre em Inovação e Design, com MBAs em Estratégia (USP) e Gestão de Pessoas (FGV), formação internacional em Gestão da Mudança (University of Tampa/EUA), IA para Negócios (ISCTE – Lisboa/PT) e pós-graduação em Neurociência e Psicologia Positiva (PUC).
É professor da FGV, FDC e outras escolas de negócios, além de escritor e fundador da Universidade da Mudança. Reconhecido como pioneiro no tema Inner Skills no Brasil.
Já apoiou líderes e empresas como GPA/Pão de Açúcar, Cobasi, Neoenergia, Leroy Merlin, Carrefour, MSD/Merck, GM, Fiat, Raízen/Shell, SBT, Caixa, Bradesco, Unilever, Sebrae, Sabesp, Ministério Público, entre outros. Mantém NPS de 100% e é destaque em premiações como Top5 CBTD, Top5 KLA e Melhor Palestrante de Gestão da Mudança pela Associação Brasileira de Liderança.
Suas palestras não são “produtos de prateleira”: são projetos customizados, pensados para a realidade cultural, os desafios estratégicos e o perfil de cada público.
Se quiser saber como MARCELO DE ELIAS pode apoiar sua empresa em temas de mudança, inovação, liderança ou protagonismo, acesse: http://marcelodeelias.com.br/
Conheça também a Universidade da Mudança, com programas, diagnósticos e metodologias exclusivas de Cultura Organizacional e Gestão da Mudança: http://universidadedamudanca.com.br
Para solicitar um orçamento sem compromisso ou conversar com nossa equipe: WhatsApp
Assine gratuitamente nossa newsletter no LinkedIn e receba conteúdos estratégicos sobre mudanças e cultura: Newsletter “Pessoas Cultura e Mudanças”



